REASSENTAMENTO
Marquinho por Ricardo Correa
O Programa de Reconstrução de Vilas mexe com uma das questões mais sensíveis do eixo de recuperação das infraestruturas: o restabelecimento do modo de vida da comunidade e da casa própria aos moradores dos três distritos fortemente atingidos pela lama – Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana, e Gesteira, em Barra Longa.
São pessoas que tiveram as moradias destruídas ou interditadas e passaram a viver, em geral, em casas alugadas. Estão dispersas, longe de parentes e vizinhos. “A vida está tranquila por aqui, passo os dias bem. Quando vim para esta casa, tive muito o que fazer. Hoje procuro cuidar das minhas galinhas, da horta, e a minha esposa gosta muito de flores. Procuramos manter nossa vida rural como ela era antes”, afirma José Gilberto Martins, 67 anos, Seu Deco, que hoje vive no distrito de Bandeirantes, em Mariana. “Foi difícil saber que a gente ia ter de se mudar. Lá estava tudo arrumadinho, a vida estabilizada, numa boa casa, bem maior que a atual, com piscina, a criação de 200 galinhas e a roça. Meu sonho agora é voltar para o novo Bento e ter a mesma vida.”
Seu Deco por Ricardo Correa
O QUE APRENDEMOS COM O PROJETO
O processo de definição sobre a reconstrução de Bento Rodrigues gerou um grande aprendizado. O primeiro projeto, apresentado ainda antes do início dos nossos trabalhos, foi desenvolvido por uma empresa de urbanismo experiente, que propôs uma vila moderna e reformulada aos moradores. Foi recusado. “Nós queremos as mesmas ruas, os mesmos vizinhos, mesmo que sejam enjoados, e o mesmo Bento”, explica Antônio Pereira Gonçalves, apelidado de Da Lua, 47 anos, uma das lideranças da comunidade. Entendemos ali que qualquer solução em todos os programas de recuperação teria de ser construída com os envolvidos para durar. Então, a partir de um processo de escuta, o novo projeto urbanístico foi construído em conjunto com a comunidade, sua comissão de representantes e a Cáritas, assessoria técnica que os auxilia nas decisões relacionadas ao reassentamento. “Com a Fundação, o diálogo melhorou, eles fizeram um levantamento de expectativa para a construção da nova comunidade.
O projeto foi modificado várias vezes para atender o pessoal e ajustes vão acontecer até o fim”, completa Da Lua. O resultado? O projeto foi aprovado, por unanimidade, em 28 de janeiro de 2017.
A reconstrução é demorada e gera ansiedade. O terreno foi escolhido pelos moradores em 7 de maio de 2016 e comprado junto à Arcelor Mittal, a antiga proprietária. Agora, temos de vencer uma etapa de muita papelada, que inclui estudos ambientais e de urbanização, a licença ambiental e o decreto-lei da Prefeitura que transforma a região em área urbana. Aí sim, provavelmente a partir de julho de 2017, iniciamos a retirada da vegetação e a terraplanagem. Todas as questões coletivas para garantir a manutenção do desenho original de Bento Rodrigues, inclusive com as relações de vizinhança preservadas, ocorreram em mais de 70 reuniões com os moradores. Agora, teremos conversas individualizadas com cerca de 200 famílias para acertar as características de cada casa. A previsão é de que a reconstrução esteja finalizada em março de 2019.
A RECONSTRUÇÃO EM PARACATU E GESTEIRA
A partir das adequações e dos aprendizados do andamento das negociações que tivemos com a comunidade de Bento Rodrigues, a reconstrução do distrito de Paracatu de Baixo segue o mesmo processo: o local da nova comunidade já foi escolhido, a compra da área está em aprovação e estamos elaborando o projeto urbanístico com a participação das 108 famílias de moradores. Paracatu tem uma característica particular, pois há mais sitiantes conectados à área urbana. No total, foram 12 encontros, entre julho de 2016 e janeiro de 2017, para o levantamento de expectativas e a delimitação de terrenos. A previsão é levar a proposta final para aprovação da assembleia geral da comunidade até maio de 2017.
A demora provoca nervosismo na comunidade. “Não precisava fazer tantas assembleias. Eles já tinham elementos para saber o que as pessoas queriam. A gente quer as casas como elas eram, pois cada um tem sua identidade. Eles podiam dar o terreno, o povo fazia mutirão e a gente construía do nosso jeito. E desafiava a Renova ainda, fazendo em menos tempo. Queremos a Paracatu com a nossa cara, com as nossas festas”, desabafa a moradora Luzia Nazaré Mota Queirós. A jovem Vanessa Aparecida Isaias, de 21 anos, também está preocupada: “Muitos acham que não vão ter Paracatu de volta. Eu sonho com isso, mas às vezes a gente perde a esperança.”
Vanessa Aparecida Isaias por Ricardo Correa
Há, no entanto, sitiantes que estão retornando para a região. “Pensei em vender minha terra, mas apareceu muita gente querendo comprar e eu pensei: opa! Voltei com os planos de ter meu sítio nos finais de semana. Depois da Fundação Renova, todas as questões começaram a andar. Estou animado, já reformei uma casa de hóspedes e agora vou arrumar a casa do caseiro”, conta o comerciante Faria, que tem uma loja em Mariana e um sítio em Paracatu.
Menor das comunidades a serem reconstruídas, Gesteira tinha a previsão de ficar pronta no final de 2017, mas nos deparamos com um inesperado obstáculo: o proprietário do terreno escolhido pelos moradores mudou de ideia e não quer mais fechar o negócio. Com a ajuda do Ministério Público, deveremos rediscutir a situação com a comunidade. Já foram entregues, no entanto, a Escola Municipal Gustavo Capanema, além da praça e da quadra de esportes reformadas. Ao todo são oito casas, 11 lotes e uma praça com a igreja Nossa Senhora da Conceição.
PROGRAMAS ENVOLVIDOS:
O DESEJO DE VOLTAR PARA BENTO
Sonhar com o “novo Bento” é uma constante entre os moradores do distrito de Bento Rodrigues, o mais atingido pelo rompimento da barragem de Fundão. “Eu já namorei muito embaixo dessa mangueira, aqui na frente da casa do meu sogro. Ali era a pracinha e o bar da Sandra, nosso ponto de encontro”, conta Manoel Marcos Muniz, 53 anos, o Marquinho, operador e mantenedor de bombas aposentado da Samarco cerca de um ano antes do acontecimento. “Aproveitava a nova fase para mexer com a terra, criar um gado, coisas que sempre gostei e fiz, mesmo quando tinha a rotina de empregado. Essa vida eu vou levar para o novo Bento. É a retomada de um sonho, porque ficar parado faz mal para a cabeça.” Marquinho frequenta a Bento Rodrigues em ruínas. “Apesar de toda a tristeza que aconteceu neste lugar, eu recarrego minhas baterias quando ando pela comunidade. Sinto muitas saudades do que já vivi aqui”, explica. “O novo Bento jamais será igual ao antigo, mas vamos fazer o mais parecido possível. Jamais pensei que passaríamos por tudo o que aconteceu mesmo sabendo dos riscos de morar próximo a uma barragem. Tínhamos uma vida boa.”