A RETOMADA DOS NEGÓCIOS

Keila dos Santos por Ricardo Correa

Keila dos Santos já estava preparando a colheita da pimenta-biquinho. Elas estavam maduras, no ponto para fazer a geleia que acompanha bem carne ou queijo. “Mas o plantio foi soterrado pela lama junto com quase todo o Bento Rodrigues. Conseguimos salvar utensílios, estoques e um punhado de outras coisas porque a cozinha ficava em outra área que não foi afetada”, lembra-se ela, uma das produtoras da Associação dos Hortigranjeiros de Bento Rodrigues (Ahobero), que foi realocada em Mariana. “A geleia é muito bem-aceita no mercado porque cuidávamos de todo o processo, do plantio, sem agrotóxico, ao produto final. É muito artesanal. Enquanto o novo Bento não fica pronto, estamos à procura de um lugar para plantar aqui, em Mariana. Mas não está fácil encontrar”, completa. Keila foi assistida por uma frente de trabalho que se dedicou a recuperar os micro e pequenos negócios atingidos pelo rompimento. O problema é que a Associação está agora no centro de Mariana e qualquer local para plantar pimentas ficará distante.

 

Comércio restaurado (Arquivo Fundação Renova)

Nesta primeira etapa emergencial, houve 249 atendimentos, entre comércios que foram reconstruídos ou reequipados e prestadores de serviço que tiveram seus equipamentos perdidos. Sempre com o mesmo princípio: retomar em condição melhor do que a anterior.

Em 2017, daremos início a uma nova fase: estimular o surgimento de negócios, que preferencialmente gerem impacto social positivo, ou seja, que envolvam e beneficiem os mais pobres (que estão na base da pirâmide social). Serão realizados eventos sobre empreendedorismo e gestão e rodadas de negócios nos municípios da região diretamente impactados.

O incentivo ao desenvolvimento local também se dá por meio das próprias necessidades de contratação da Fundação Renova (e de seus fornecedores de serviço) para a execução dos programas. Em 2016, 61% da mão de obra necessária foi contratada na região, o que somou 1.759 pessoas. Não se trata de um programa de geração de emprego, mas de uma diretriz de aproveitar nossas necessidades operacionais para movimentar a economia local. Temos a meta de manter o nível de contratação de mão de obra local acima de 60% do total de nossa força de trabalho. Para isso, buscamos atualmente antecipar as demandas internas de contratação futura dos programas para preparar as pessoas das comunidades por meio de parcerias de capacitação com diferentes instituições. Assim, elas poderão preencher essas vagas, e o pagamento por esses serviços vai circular na própria região.

Ivanildes Melo Campos por Alexandre Battibugli

Do contrário, as possibilidades de emprego são muito limitadas. “Como a gente não tem mais o plantio e a pesca, o meu marido começou a trabalhar de pedreiro. Mas, sabe como é, ele não é fichado na empresa (não tem registro pela CLT) e nem sempre aparece serviço. Eu sou crocheteira, faço de tudo, colchas, roupas, biquínis, mas só aceito se for por encomendas”, conta Ivanildes Melo Campos, que vive com a família em uma chácara à beira do Rio Doce, em Santana do Paraíso (MG).

Para identificar e impulsionar as potencialidades econômicas de Mariana, retomamos o estudo Mariana 2030, desenvolvido pela Samarco, com a participação da prefeitura e de lideranças comunitárias. Já realizamos dois encontros para discutir o desenvolvimento econômico e social de longo prazo. Rebatizado de Mariana Presente e Futuro, ele já tem uma nova ambição: colocar Mariana entre os dez melhores IDHs do Brasil até 2030*.

*Com 0,742, Mariana figura em 52º lugar em Minas Gerais

A DEMORADA VOLTA DA PESCA

“Cheguei a Povoação em 1973 para trabalhar com cabana na praia e virei pescador profissional. Já sou aposentado, mas continuo com a atividade porque pescador gosta de ir para o rio ou para o mar. Sou da época em que se usava rede de barbante. O Rio Doce era celeiro da pesca, que foi ficando escassa e piorou muito com a lama. O pescado desapareceu, ninguém tem condições de entrar no rio para trabalhar. O mar também não ficou legal, e a Justiça nos proibiu de pescar. Existe o medo de o peixe estar contaminado”, descreve Simião Barbosa dos Santos, de 73 anos, presidente da Associação de Pescadores e Assemelhados de Povoação (APAP), distrito de Linhares, no Espírito Santo.

Fomento à economia

Simião Barbosa dos Santos por Alexandre Battibugli

De fato, as primeiras análises sobre a qualidade da água e do pescado do Rio Doce ainda não permitem uma conclusão. Diante disso, foram realizados dois painéis, com as principais instituições de pesquisa da região para definir os critérios de um novo estudo. “A nossa expectativa é igual a de todos os pescadores: que, a partir desse passivo, se crie um grande ativo, em que a pesca futuramente vai poder estar melhor, com novas tecnologias, novas alternativas de trabalho e renda das comunidades, melhor processo de organização, ampliação do mercado. Tudo isso resultará em mais qualidade socioambiental para a bacia do Rio Doce”, comentou Carlos Sangalia, do Projeto Tamar, durante o Painel Técnico de Retomadas das Atividades Pesqueiras, organizado pela Fundação.

Temporariamente, pretendemos estimular trabalhos alternativos ligados ao rio, como limpeza e monitoramento, além do fortalecimento das associações e colônias de pescadores.

“O projeto de criação em tanques-rede tem tudo para dar certo. Quero ver funcionar, ver todo mundo trabalhar como antigamente”, anima-se Simião com a ideia. No entanto, ele reconhece que o diálogo nem sempre é fácil. “Acho que está faltando um pouco de entendimento entre a comunidade e a Fundação. Nós, pescadores, não temos problema algum com a assistência dos profissionais. Acho que eles querem fazer um bom trabalho. Na minha opinião, eles deveriam ter conversado com as pessoas por partes: com os pescadores, os agricultores, e não com toda a comunidade ao mesmo tempo. Aí ninguém se entende, tem gente que está interessada só no cartão, é uma confusão. Nós, pescadores, representamos uma classe, e é para nossa vida do rio e do mar que queremos voltar”, explica.

Workshop sobre pesca (Arquivo Fundação Renova)

Atualmente, cerca de 4 mil pescadores recebem auxílio financeiro por conta da interrupção da atividade produtiva. Também procuramos estabelecer conversas semanais com as associações e colônias de pescadores para construir uma estratégia de retomada das atividades pesqueiras de maneira participativa e que gere impactos transformadores.