EDUCAÇÃO E CULTURA
Júlio César Salgado por Ricardo Correa
“Minha vida na antiga Bento era boa. Tinha liberdade, fruta no pé, e hoje dependemos de comprar tudo na cidade. Nadava em rios e cachoeiras. Além disso, os amigos estavam sempre por perto e agora vivemos longe uns dos outros. Sinto muita falta dessa convivência. Tudo lá era mais fácil, inclusive, o emprego. Capinava para os outros, ajudava numa construção, algo assim. Na cidade, para ter serviço tem de ter experiência. Mas como posso achar um emprego se a gente nunca trabalhou de carteira fichada?”, questiona. Mesmo com a possibilidade de estudar em Ouro Preto, Júlio César quer voltar todo o fim de semana para o novo Bento, quando estiver reconstruído. “O pior de tudo, além da tragédia, foi sofrer preconceito. Muitos de nós já fomos acusados pelos moradores da cidade de que a Samarco não voltou a funcionar por nossa culpa. Quem não quer que a empresa volte a funcionar? Todos nós queremos, só que com mais responsabilidade para evitar estragos como esse.”
Júlio César é um dos cerca de 103 integrantes da comunidade escolar de Bento Rodrigues, Paracatu, Gesteira e Barra Longa que tiveram de ser remanejados para outras unidades em Mariana e Barra Longa, em colaboração com as Secretarias Municipais de Educação.
O foco principal do programa foi a reintegração escolar dos alunos de Ensino Infantil, Fundamental e Médio e o acompanhamento psicopedagógico dessas crianças e jovens. Todas as escolas diretamente atingidas estão em atividade em sedes provisórias, sendo que a Escola Municipal Gustavo Capanema, em Gesteira, já foi reformada e recebe os seus alunos desde o início do ano letivo de 2017.
Destaca-se, na entrada da escola, o painel de arte de 3,2 metros de altura com obras dos alunos e professores que, durante as reuniões de consulta à comunidade, desenharam suas expectativas para o espaço.
Com um olhar mais ampliado, entendemos que os jovens têm, por condição natural, um potencial transformador e queremos criar condições para que eles possam, no médio prazo, se sentir motivados e em condições de pensar o futuro que querem construir no território que ocupam. Esse processo já começou, ainda que de forma experimental, em fevereiro, com um grupo de jovens de Bento Rodrigues que vivenciam todas as dificuldades de adaptação descritas por Júlio César. Neste momento, nosso objetivo tem sido o de incluir jovens de Mariana para promover a integração e, assim, promover espaços de diálogo e cocriação. Queremos estimular um novo olhar, a ampliação do campo de visão, das perspectivas, e despertar essa força coletiva transformadora. Dessa forma, eles terão mais oportunidade para assumir um papel relevante na recuperação das regiões em que vivem.
A IMPORTÂNCIA DE RECONECTAR AS PESSOAS E A NATUREZA
O impacto do rompimento da barragem gera também a oportunidade de realizarmos ações que integram a visão ambiental a uma abordagem mais ampla da educação. Entendemos que é necessário restabelecer a conexão das pessoas com a natureza. Na maior parte do território, essa perda da percepção de causa e efeito está diretamente relacionada ao uso do solo e a degradação dos rios. Assim, temos identificado parceiros que trazem novas formas de trabalho com as crianças, gerando vivências, descobertas e interações, que podem despertar nas novas gerações um olhar mais abrangente sobre a relação com a natureza.
Essa é uma demanda que também está presente entre as comunidades. “Se eu pudesse dar uma sugestão à Renova, diria à equipe para que ela se concentrasse em projetos de recuperação da biodiversidade do Rio Doce, que já estava poluído mesmo antes do rompimento da barragem em Mariana. Sempre procurei enfatizar para os meus alunos, quando dava aulas, a importância da educação ambiental. Ela interfere em tudo na vida, no nosso sustento e no nosso lazer”, afirma João Carlos Binda, educador e conselheiro tutelar em Itapina, distrito de Colatina, no Espírito Santo.
A professora Drielle Sousa Costa, da Escola Municipal Vila Regência, em Regência, preocupa-se com as lições que as crianças tiram desses acontecimentos. “Hoje, elas já se acostumaram com essa ideia de ficar sem rio e mar. Uns estão mais revoltados porque o pai não pode mais pescar. Mas nossa escola sempre trabalhou com projetos voltados para o meio ambiente, temos parceria com o TAMAR, e aproveitamos para tratar do tema em palestras e redações. Pintamos o muro da escola retratando tudo o que aconteceu até mesmo para conscientizá-los sobre a importância da água.”
Sentimento semelhante ao de Michel Gomes Pedro, professor e diretor da Escola Municipal Professora Urbana Penha Costa, em Povoação, distrito de Linhares: “Antes da Fundação, a gente não tinha com quem dialogar. Mas costumo dizer que a comunidade tem de estar aberta às propostas, ao diálogo e à negociação. O cartão-auxílio causou um alvoroço aqui. Até as crianças falam desse subsídio. Por isso, chamo a atenção para a educação porque ela é base para a formação de novas gerações.”
Esses esforços de inserir o componente ambiental na educação começaram, inicialmente, nas comunidades que estão no entorno de Mariana.
As iniciativas incluem rodas de conversa, palestras e oficinas nas escolas e comunidades para despertar uma participação protagonista da população sobre os impactos ambientais. Em 2016, 631 pessoas participaram de 41 atividades de educação ambiental em Mariana e Barra Longa.
Atentos à necessidade de expansão, estamos planejando, em conjunto com instituições de pesquisa, terceiro setor, comitês de bacias e governos, uma ação que envolva em 2017 os 39 municípios do Rio Doce. Uma delas já está em execução: o Projeto Douradinho no Doce, do Instituto Pelo Bem do Planeta, que alcançará 12 mil alunos do 4º ano do Ensino Fundamental de toda a rede escolar (municipal, estadual e particular) nos municípios de Mariana, Barra Longa, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado, Governador Valadares, Colatina e Ipatinga (www.projetodouradinho.com.br). Haverá a distribuição do livro “Amiga Lata, Amigo Rio”, com a preparação dos educadores para usa-lo em sala de aula, visitas do autor, Thiago Cascabulho, às escolas e apresentação teatral, no final do ano, em praça pública nas sete cidades.
PREPARADOS PARA NOVAS EMERGÊNCIAS
“A única coisa que gostaria de saber é: por que não recebemos um alerta para sairmos da cidade?”, pergunta Sinésio Carneiro. “Entre a invasão da lama em Bento Rodrigues e a chegada dela à Barra Longa houve um intervalo de 12 horas. Daria tempo, por exemplo, de retirar todas as coisas da pizzaria e levar para outro lugar. O resultado foi que eu fiquei 14 dias sem poder sair de casa e nove meses com a pizzaria fechada. Tive de comprar alguns eletrodomésticos do bolso para poder voltar a trabalhar. Uma das filhas que estudava fora precisou trancar a faculdade porque, por enquanto, não tenho condições de mantê-la”.
Esse é o mesmo lamento do comerciante e pequeno proprietário rural Rômulo Fernandes. “O som era parecido com o de um urso na caverna: Uh, uh, uh! Assim me lembro do barulho da lama chegando, enquanto tentávamos salvar algumas coisas. Ficamos por aqui, mesmo depois de tanto tempo do acontecido em Bento Rodrigues, porque as informações não batiam. A polícia disse que não havia recebido nenhum aviso, mas a filha do vizinho, que trabalha na Samarco, pediu para que a família deixasse a cidade. Podiam ao menos ter passado com uma caminhonete pedindo nossa retirada. Perdi todas as coisas de casa, do bar, mercadorias, e só saí com os documentos no bolso. Achei incrível a lama vir em forma de ondas. Achávamos que ela fosse parar porque o rio estava com nível de água muito baixo. Ainda bem que deu tempo para todos correrem para a parte mais alta. E vimos ela derrubando e carregando tudo, ônibus, carro, pontes… foi um apavoramento.”
Rômulo Fernandes por Ricardo Correa
Sinésio e Rômulo, assim como tantos outros moradores dos municípios de Mariana, Barra Longa, Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce, têm agora um sistema de alerta instalado pela Samarco em caso de outra emergência ambiental relacionada às barragens. Adaptado à nova legislação vigente, é composto de 31 sirenes, instaladas ao longo de 2016, que também podem avisar as pessoas em caso de cheia nas bacias dos Rios Gualaxo e do Carmo, a partir da avaliação da Defesa Civil dos municípios, baseada nos dados dos instrumentos conectados a um sistema de medição automático.
O programa Preparação para Emergências Ambientais também vai melhorar a capacidade de intervenção das Defesas Civis dos municípios. Em setembro de 2016, foi realizado um diagnóstico da estrutura e da capacidade de resposta dessas equipes e preparado um plano de ação com três frentes: melhorar a gestão pública de risco; criar grupos comunitários de defesa civil, dando poder à comunidade sobre a gestão de risco; e capacitar os jovens nas escolas sobre a percepção de risco. Em abril, serão entregues equipamentos para as Defesas Civis dos quatro municípios.
EM BUSCA DE UMA VIDA NORMAL
Júlio César Salgado, de 18 anos, faz parte do Grupo de Jovens de Bento Rodrigues, e tem dificuldade de manter o contato com os amigos desde que foram realocados com suas famílias em casas de Mariana. Sua vida, que já seria uma grande mudança de adolescente para o mundo adulto, ficou ainda mais mexida. “A destruição da comunidade e a vinda para Mariana me obrigaram a crescer, amadurecer e ter responsabilidades. Completei os estudos e fiz 18 anos. Na verdade, nunca imaginei minha vida fora de Bento Rodrigues. Nem mesmo fazer faculdade era antes um sonho tão forte”, conta ele, que agora está em dúvida entre cursar Educação Física ou Direito, um interesse que surgiu após o rompimento da Barragem.