Evento reuniu moradores para relembrar as histórias e celebrar a cultura do povoado
Desde sua fundação por Atalino Leite de Araújo, em 1917, a comunidade remanescente de quilombo (CRQ) do Degredo, em Linhares, no Espírito Santo, vem construindo as bases de sua identidade quilombola. Essa tradicionalidade está conectada à trajetória de resistência social, cultural, política e econômica da comunidade cuja identidade está ligada às relações de ancestralidade e parentesco, tradições, saberes, fazeres e práticas culturais.
O rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015, afetou o modo de vida da comunidade, modificando suas atividades cotidianas e territoriais. A praia, além do local preferido para a atividade de pesca, era o principal ponto de encontro entre familiares, vizinhos e compadres. Os pescadores iam cedo para a praia e lá se encontravam com os demais companheiros. Passavam o dia inteiro realizando a atividade e quando retornavam se iniciava o tempo livre, utilizado para realização de atividades recreativas. Com a proibição da pesca marítima, a rotina da comunidade mudou drasticamente. Como os quilombolas não se encontram mais para a pescaria, a interação ficou cada vez menor e as reclamações de que a vida tem perdido o sentido ficaram comuns. As manifestações culturais da comunidade do Degredo também foram afetadas. A Folia de Reis, por exemplo, que acontecia frequentemente, não foi mais realizada.
Resgate de Tradições
Em vista desse cenário, e como parte de uma iniciativa para resgatar as tradições da comunidade, os moradores de Degredo se reuniram em um evento especial, no sábado, 28 de julho, para celebrar sua cultura.
A parte da manhã foi dedicada a relembrar o passado. Com uma pequena cabana de estuque, os moradores recordaram como as casas eram construídas na comunidade; mostraram como são produzidos alimentos típicos, como farinha de mandioca, farinha de castanha de caju, beiju e colorau (corante de urucum); contaram causos dos tempos antigos e até refizeram o modo de transporte utilizado pelos seus ancestrais: em mulas e balaios.
A culinária local foi outro ponto alto da festa. Beijus, cuscuz, bolos, biscoitos, mandioca, milho e banana-da-terra cozidos encheram a mesa do café da manhã. No almoço, os moradores se deliciaram com galinha caipira, carne seca com abóbora e um delicioso leitão assado na brasa, entre outras receitas – tudo preparado de maneira colaborativa, pelas cozinheiras da região. À tarde, os festejos incluíram apresentação de banda de congo e quadrilha. Em seguida, a festa se estendeu por noite adentro.
Aos 67 anos, José Leite Costa é um dos moradores mais antigos de Degredo. Ele foi responsável por relembrar várias histórias da comunidade. “Estou adorando essa primeira festa tradicional. Reencontrei velhos amigos. A nova geração da comunidade deve abraçar esse momento como se fosse um troféu, pois um dia nós, os mais antigos, iremos faltar. A maior alegria é reunir todo mundo para passar os conhecimentos de antigamente”, contou.
A comunidade trabalhou de forma integrada para que o evento acontecesse. “Começamos a trabalhar para fazer a festa uma semana antes. Está sendo muito bacana porque estamos resgatando tudo aquilo que a comunidade viveu. É como se fosse um filme que passasse na nossa cabeça, vendo as coisas de antigamente, como eram e aconteciam”, afirmou a moradora Lucilene de Jesus, membro da comissão quilombola.